Carta dos Geraizeiros e quilombolas do Vale do Jequitinhonha ao governo sobre Projetos Chineses de Mineração.

19/02/2015 18:11

CARTA AO IBAMA, CASA CIVIL, MMA, MDS E MDA

PROJETO DE MINERODUTO DA SAM É DECLARAÇÃO DE GUERRA DOS CHINESES CONTRA AS COMUNIDADES TRADICIONAIS GERAIZEIRAS E QUILOMBOLAS QUE LUTAM PELA PRESERVAÇÃO DAS ÁGUAS E DOS CERRADOS

Os membros abaixo assinados da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, da Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais e do Movimento Geraizeiro vem notificar o IBAMA para que suspenda de imediato o processo de licenciamento ambiental do Projeto Vale do Rio Pardo que prevê a instalação de um projeto de mineração associado com a construção de um mineroduto passando por 21 municípios do Norte de Minas Gerais e Bahia. E denunciar a ilegitimidade deste “projeto de morte” promovido pela mineradora SAM – Sul Americana de Metais SA controlada pela Honbridge Holdings Ltd de capital chinês no Norte de Minas Gerais.  O processo de licenciamento que está em fase de estudos pelo IBAMA não tem legitimidade, pois não respeitou os marcos legais relacionados aos direitos de Povos e Comunidades Tradicionais uma vez que não foi promovido, antes da elaboração do projeto, o direito à consulta prévia e informada conforme está previsto na Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho.

A implantação deste projeto viola o direito de comunidades geraizeiras e quilombolas que vivem centenariamente na região do Vale das Cancelas e também de outras centenas de comunidades tradicionais dos vales dos rios Jequitinhonha, Pardo e das Contas por onde está previsto passar o mineroduto, afetando inclusive as comunidades ribeirinhas e marinhas. A região de execução do projeto está inserida no semiárido de Minas Gerais, com uma rica biodiversidade associada aos Cerrados da Serra do Espinhaço, já impactada de forma significativa com a implantação das monoculturas de eucalipto nas décadas de 1980 e 1990. Grandes projetos que já provocaram expropriação territorial das comunidades tradicionais, impactos na flora e fauna regional e, de forma ainda mais grave, sobre os escassos recursos hídricos superficiais e subterrâneos.

As comunidades afetadas por estes projetos contam uma longa história de exclusão e de invisibilidade social apesar de terem como legado agroecossistemas que foram desenvolvidos ao longo do tempo e que viabilizaram o sustento dos mercados locais, regionais e mesmo nacional. Estas comunidades são possuidoras de um conhecimento profundo dos ecossistemas locais e suas estratégias produtivas contribuem com a proteção e mesmo ampliação da (agro)biodiversidade e com a recarga dos aquíferos.

O Projeto Vale do Rio Pardo está provocando o aumento da tensão social, as comunidades encontram-se extremamente vulnerabilizadas, e a sua execução vai ampliar a escassez hídrica da região.  As características do projeto de mineração a céu aberto, exploração de minério com baixo teor, beneficiamento para concentração do minério, transporte através de mineroduto, para ser executado precisa de uma elevada demanda de água - 6.200 m3/hora, o que significa uma demanda anual de  53.568.000 m3/ano. Demanda excessiva em uma região de extrema escassez hídrica com um projeto que, além disso, vai provocar o secamento de nascentes e córregos da região da bacia do rio Vacaria e onde a população atual encontra-se vivenciando um conjunto significativo de conflitos territoriais e ambientais.

É neste contexto que está sendo processado o licenciamento do Projeto Vale do Rio Pardo e, recentemente, o Movimento dos Atingidos por Barragens e lideranças geraizeiras denunciaram o modo como o IBAMA vem conduzindo o processo, levantando suspeitas de facilitação de interesses da empresa:

Causa-nos espanto e perplexidade, o modo com que vem servidores do Alto Escalão do Governo Federal através do IBAMA, conduzindo o processo de licenciamento, descumprindo normas, o que nos leva a concluir que há suspeitas de prevaricação e facilitação  dos interesses da empresa.[1]

Reiteramos assim que o processo de licenciamento do Projeto Vale do Rio Pardo seja imediatamente suspenso.

 

Montes Claros, 09 de janeiro de 2015

 

Braulino Caetano dos Santos – Diretor do CAA NM e Representante dos Geraizeiros na CPCT;